Atente para as seguintes afirmações relativas ao texto – FUVEST 2015
O OPERÁRIO NO MAR
Institução:
FUVEST
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza… Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
Atente para as seguintes afirmações relativas ao texto de Drummond, considerado no contexto da obra a que pertence:
I. A referência inicial aos modos de se representar o operário sugere uma crítica do poeta aos estereótipos presentes na literatura da época em que o texto foi escrito.
II. O alcance simbólico da figura do operário depende, inclusive, do fato de que, no texto, ele é constituído por tensões que o fazem, ao mesmo tempo, comum e extraordinário, familiar e enigmático, próximo e longínquo etc.
III. A imagem do operário que anda sobre o mar pode simbolizar a criação prodigiosa de um mundo novo – a “vida futura” –, igualmente anunciado em símbolos como o das “mãos dadas”, o da “aurora”, o do “sangue redentor”, também presentes no livro.
Está correto o que se afirma em
(A) I, apenas.
(B) II, apenas.
(C) I e II, apenas.
(D) II e III, apenas.
(E) I, II e III.
Resposta:
Alternativa Correta: E) I, II e III.
A afirmação I é correta porque o eu poemático, quando qualifica o operário como “um homem comum”, sem a blusa que comumente lhe é atribuída “no conto, no drama, no discurso político”, acaba expressando uma crítica à imagem estereotipada que a literatura “proletária” da década de 1930 (época de confecção e publicação de Sentimento do Mundo) havia produzido sobre esse tipo humano. A afirmação II é correta porque a composição que Drummond faz do operário concilia elementos conflitantes: corriqueiros (“é um homem comum”) e extraordinários (“está caminhando no mar”); é alguém que o poeta vê como comum, familiar, mas que carrega “segredos” e “uma significação estranha no corpo”; é um ser que está à sua frente e com quem compartilha ideais, por isso o desejo de torná-lo um irmão, e uma consciência de que essa vontade talvez nunca seja atendida. A afirmação III é correta porque o feito de o operário andar sobre o mar o aproxima de Cristo, não em relação à religiosidade ou à santidade, mas em relação à capacidade de revelar um mundo novo. Em outras palavras, assim como Jesus seria o portador do cristianismo, o operário seria o de um mundo novo em que imperaria a felicidade coletiva.